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Opinião

Exploração da Espiritualidade Ancestral

Napaykuna!

A cada novo dia chega até meu conhecimento casos de pessoas que se intitulam ser xamãs, sem realmente saber o que é ser um.

Quem me conhece sabe que trilho o Caminho Xamânico há quase 28 anos e nunca me intitulei como tal. Para chegarmos a ser um Xamã o caminho é árduo e cheio de obstáculos. São dias e noites participando de diversas provas iniciáticas em completo jejum (de água, álcool, comida, sexo), no qual o pretendente terá que estar nu (despido não só de vestimentas, mas de pensamentos de luxúria, soberba, etc.) onde enfrentamos os nossos próprios demônios interiores para morrermos para aquele “antigo eu” e renascermos.

Muitos daqueles que procuram o xamanismo fast food, se frustam comigo pois não trabalho o animal de poder numa primeira vivência. Primeiro temos que encontrar nosso mineral de poder que servirá de pedra fundamental, a nossa base de sustentação dentro do Xamanismo, e depois o vegetal de poder que nos ensinará a sermos equilibrados, para só depois no meio da mata em frente ao fogo sagrado, ver surgir aquele animal que será nosso aliado e guia na nossa jornada neste Caminho.

Hoje é moda no xamanismo, xamania, segundo uma saudosa amiga, a exploração da medicina da floresta com o uso indiscriminado de Plantas Mestras como a ayahuasca, jurema, tabaco e seu derivados (entre eles o rapé), como também a vacina do sapo (kambô).

Isso é uma coisa muito perigosa para os “homens civilizados” que vivem no meio urbano e são jogados num contexto alienígena para ela, como seria numa floresta. Nosso organismo não está preparado para suportar essas medicinas do jeito que está ocorrendo em diversos workshops por aí a fora.

O Xamã, antes de tudo é um alquimista e sabe a dose de remédio que cada um necessita… ao contrário de dirigentes de seitas xamânicas que utilizam, por exemplo, a ayahuasca como um meio para realizar “trabalhos xamânicos” sem fazer uma anamnese com os participantes.

Certa vez, um dos meus mentores me disse que: “todos os cogumelos são comestíveis, mas algum podem matar”.

Aprendi na minha trilha que, antes de começarmos a trabalhar nosso espírito, devemos trabalhar o nosso corpo, alongando e destravando nossas articulações. Procurando resgatar nossa memória corporal, tendo consciência da nossa respiração e dos outros sentidos como cheirar, degustar, ouvir, tatear e ver. O corpo é a nossa base, e todos os povos nativos sabem disso. Não foi a tôa que eles preservaram esse conhecimento ancestral que conhecemos pelo nome de Xamanismo, e não o praticado atualmente por milhares de pessoas que colocam um cocar na cabeça, tomam porres de ayahuasca, tocam maracá ou tambor convocando animal de poder e provocando algumas catarses. Eles mal sabem que para usar uma pena na cabeça (ou um cocar), esta deve ser dada e colocada por um xamã numa pessoa que se mostrou digna para usar tal objeto sagrado.

Alerto mais uma vez que com o Sagrado não se deve brincar, sem saber o que realmente está fazendo. Grande maioria desses neoxamãs copiaram a forma dos Xamãs operarem, mas não sabem nada da verdadeira essência.

Não é porque fiz uma faculdade para Nutricionista, por exemplo, que vou sair de lá cozinhando. Há uma grande diferença entre saber a teoria e colocá-la em prática. E, infelizmente, é isso que ocorre com aqueles que participam de alguns workshops, que ensinam uma espécie de xamanismo superficial (como bem falou meu amigo Gilberto de Lacariz), sem saber realmente nada sobre este Caminho Sagrado que é o Xamanismo.

Termino esse texto com as palavras de um irmão, Julio César Guerrrero, que já fez a viagem para a aldeia do outro lado do rio:

“É sempre útil lembrar que os mitos precisam ser vivenciados para serem realmente compreendidos. Vivenciar um mito é “incorporá-lo”, é reatualiza-lo via ritual. Ritualizar é reatualizar! As tradições xamânicas insistem muito nisso. Só fazemos parte de fato de uma tradição xamânica quando incorporamos o mito, quando nos tornamos míticos. Antes disso estamos apenas bordejando tal tradição, cultuamos, mas algo lá fora, incompreensível. Só quando incorporamos, vivenciamos tais níveis de realidade nos tornamos um com o mito. É isto que todo xamã da linhagem que participo busca. Transcender a condição humana e se tornar um mito. Pois como mito as leis do mundo ordinário são transcendidas e você pode de fato operar noutro conjunto de realidades. Por isso o caminho é tão exigente. Mas endurecer sem perder a ternura ainda é uma diretriz válida para quem busca que sua copa toque o céu, mas sabe que para isso suas raízes devem estar firmes nos infernos”.

Munay,

Wagner Otorongo Frota
Fundador do Clã Lobos do Cerrado