fbpx
Espiritualidade Xamanismo

Caminho de Cura

Somos como pequenos pássaros, atuando no mundo,com a liberdade de experimentarmos os frutos de diversas árvores. O despertar do pequeno pássaro está em saber sobreviver com compreensão, astúcia e alegria no agora e nos mundos internos e externos em constante mutação”. –  Menkaiká

Espero que essa pequena reflexão seja acompanhada com o coração, e não com a tentativa de rotular esse pensamento dentro de alguma tradição, ou filosofia, nem tampouco dentro da linha de pensamento de algum autor. Essa reflexão é uma colcha de retalhos, tal qual acredito que seja nosso caminho. Isso mesmo, uma colcha de retalhos, não uma mistura desenfreada de vários pensamentos e várias linhas e práticas que ninguém sabe para o­nde vai ou no que vai dar, mas uma colcha de retalhos multicoloridos que vamos tecendo, costurando, montando, quando relembramos e assimilamos como sabedoria pessoal cada passo, cada fato vivido no caminho que trilhamos nesta vasta superfície da nossa Grande Mãe Terra.

Quando escrevemos, criamos ou expressamos de alguma forma o nosso interior, isso também serve como um bom puxão de orelha a nós mesmos, lembrando que somos dotados de capacidades e potencialidades incríveis que devemos aprender a usar. Como diz a profecia andina, está chegando a hora de voltarmos a aprender com os rios, com os ventos, com o sol, com a lua, com a Grande Mãe Pachamama, e assim despertarmos nossa mais profunda sabedoria e nosso espírito de reciprocidade. Chegou a hora de um novo tempo.

Estamos em um mundo de energias em movimento o­nde lemos com nosso corpo energético todas as coisas que nos rodeiam, mas a cabeça, que sabota nossos intentos, infelizmente é a que faz a leitura como bem lhe convém na maioria das vezes. Em um mundo “criado” e concebido como “real” somos ensinados a não termos a inocência e a pureza do caminho com o coração. Criam-se as fantasias para satisfazer os egos, que, por fim, também podem sabotar nossos intentos mais sinceros e desperdiçar nossa energia… nossos passos devem se direcionar a uma concepção diferente de mundo, a uma outra realidade que não é essa realidade criada pelo sócio-cultural. O despertar está em uma compreensão que não está na cabeça, mas no coração, é descomplicar o que nos parece complicado.

Uma pessoa que busca despertar e estar sóbrio nesse mundo, conhece suas limitações e não emite julgamentos com a mente, deixa o coração leve fluindo com alegria, compreendendo que há o pesar em certas coisas, mas faz parte do despertar limpar isso dentro de nós. Isso é resultado de trabalho interior, é estar totalmente sóbrio, consciente, lúcido, apesar dos percalços. Trabalho interior não é fazer promessas e atribuir a uma divindade as responsabilidades para que se resolvam nossas vidas. Com as divindades, com as forças do universo, com o Grande Espírito e a Grande Mãe, temos uma relação continua, viva e de reciprocidade. Lhes damos de comer em nossas oferendas porque somos alimentados por essas forças no nosso campo devocional, nas nossas vidas somos nutridos quando em conexão, quando nos sentimos em união com o todo, porque somos parte atuante da abundância e do universo em movimento e isso deveria ser uma relação leve, de devoção, de magia, de transformação… Os andinos chamam isso de “ayni”, uma palavra que abrange muito mais que reciprocidade entre nós e as forças naturais, mas também uma troca recíproca entre seres vivos, humanos. A simplicidade e a sabedoria dos andinos nos traz três palavras, sagradas pela sua singeleza e objetividade, que cerceiam nosso mundo: Yachay: sabedoria, Munay: amor, Llankay: trabalho. Isso significa ver com os olhos da alma, comprometendo-se com o essencial em nossas vidas.

Muitos entregam sua consciência a algo, ou alguém, e perdem a capacidade de estarem sóbrios e atuantes através da única coisa que realmente nos pertence. Somos dotados de uma divindade interior e de um livre arbítrio capaz de mudar o mundo, de mudar nossas vidas, que se manifesta através da consciência, e essa consciência da qual falo não é aquela atrelada ao seu significado usual e comum, é muito mais que isso, é a nossa própria essência, sóbria, desperta e astuta, mas conduzida com o coração.

Para conhecermos e resgatarmos nossa essência em sua plenitude, há que se fazer um trabalho interior. Esse trabalho interior não é “dissolver” o ego e ser um Buda ou um Jesus Cristo. Esses avatares são como águias, cujos ensinamentos são valiosos, mas infelizmente distorcidos por muitos.

Somos como pequenos pássaros, atuando no mundo,com a liberdade de experimentarmos os frutos de diversas árvores. O despertar do pequeno pássaro está em saber sobreviver com compreensão, astúcia e alegria no agora e nos mundos internos e externos em constante mutação. Nossa tarefa é a da compreender, e, principalmente, compreender que o mundo e os seres humanos são dotados de maravilhas e de horrores. Muitos são aqueles que agem com a cabeça, mas poucos são os corações que se manifestam…

O despertar, independente de crenças e religião, está dentro e não é de responsabilidade de ninguém, senão de nós mesmos. Não devemos ser como hierofantes que conhecem a cura dos outros mas não conhecem a sua própria cura. Nossa cura pessoal é a cura do mundo. Cada caminho de cura é único, embora em alguns momentos possamos dar as mãos e caminhar lado a lado.

E lembrem-se de que as pessoas são sobreviventes, embora muitos ainda dormem… é muito difícil sobreviver em um mundo que hoje mostra-se tão feio para alguns. A esses que conseguem de algum modo estar vivos e atuantes, devemos tirar o chapéu e não criar barreiras internas ditadas pelos nossos medos e ego. A esses para quem o mundo tem cor de petróleo, oferecemos rosas de intensa cor. Aos que vivem como sanguessugas, que sejam compreendidos e ajudados a cortar esses laços que também lhes fazem de alguma forma sofrer. Aos que vivem com o brilho do sol, da lua e das estrelas em seus olhos da alma, termino com uma frase de um amigo xamã peruano, Mallku, cujas palavras ficaram ecoando em meu coração: “se alguém falar: como é possível viver bem num mundo tão ruim? Nossa resposta tem que ser: Como é possível viver mal num mundo tão belo como esta Pachamama(Mãe Terra) que está presente por todo lado?”

Quem sabe se ao darmos início a essa vibração e sintonia não estaremos, então, iniciando nossa cura pessoal e planetária, mudando padrões interiores até hoje impostos?

Paz e Gratidão,

Menkaiká

25/08/2005