Os últimos guardiães de uma tradição.
Os Huichol (ou Huichóis), são, hoje, cerca de 20 mil pessoas que ocupam o território de Sierra Madre, entre os estados de Jalisco e Nayarit no México. Vivem isolados e habitam ranchos.
Uma vez por ano alguns huichol viajam até San Luis Potosí, a sua terra ancestral, para as cerimônias rituais com peiote chamadas “mitote”. As três principais comunidades huicholas situam-se no município de Mezquitic, Jalisco e são: San Sebastián Teponohuastlan (Wautüa em huichol), Santa María Cuexcomatitlán (Tuapuri em huichol) e San Andrés Cohamiata (Tatei Kié em huichol). Outras comunidades huichol incluem Guadalupe Ocotán (Nayarit), Santa Catarina e Tuxpan de Bolaños (Jalisco). No entanto, apenas cerca de 7 mil huichol vivem na sua região enquanto que cerca de 13 mil migraram para outros locais no México e outros ainda vivem em comunidades na Mesa del Nayar.
Os huichol e as tribos chichimecas, suas vizinhas, como os coras, pames, tepehuanos, participaram na chamada revolta mixtón contra as forças de Nuño Beltrán de Guzmán. Só foram definitivamente conquistados em finais do século XVII. Os coras resistiram até 1722. Mas mesmo após a “conquista” os huichol e os coras agarraram-se aos seus costumes tradicionais modificando-os de forma a ajustarem-se à nova situação política. Em grande medida mantiveram até hoje a sua estrutura política indígena baseada nos centros cerimoniais (tukipa) dirigidos por líderes chamados kawiterutsixi (aqueles que tudo conhecem). A maior parte dos huichol vive duma agricultura de subsistência.
A sua religião gira à volta de quatro divindades principais: a trindade do Milho, Veado Azul e Peiote e a Águia, todos descendentes do Deus Sol, “Tao Jreeku”. A maioria dos huichol mantém as crenças tradicionais e é resistente à mudança. A influência católica nunca penetrou completamente e, até hoje, os huichol mantem quase intactos seus costumes e conservam grande estima pelos mesmos.
Eles chamam a si mesmos de “vishalica”, “virarica”, ou “wixarika”, que quer dizer “curandeiros” ou “doutores” (quase a quarta parte desta etnia se dedica a esta profissão). Os “mara’akámes, ou xamãs, cantam, curam e transmitem às crianças a memória mítica de seu povo.
Nas comunidades huichol tradicionais, um importante artefato ritual é a “nierika”. A nierika é o umbral que cruza o “mara’akáme”, ou xamã, na viagem até o mundo da morte ou das visões. A nierika é representada como um disco cerimonial decorado. Trata-se de um pequeno quadro redondo ou quadrado com um buraco no centro, revestido num ou em ambos lados com uma mistura de resina de pinheiro e cera de abelha, contra a qual os fios de tecido são pressionados. Estes artefatos encontram-se na maior parte dos locais sagrados para os huichol como santuários domésticos (xiriki), templos, nascentes e grutas.
Existe uma porta dentro de nossas mentes que normalmente permanece oculta e secreta até o momento de morrer. A designação huichol para ela é nierika. A nierika é um acesso ou superfície de contato cósmico entre as chamadas realidades “ordinária” e “não ordinária”. Constitui um passo e, ao mesmo tempo, uma barreira entre os mundos. A nierika, assim mesmo, é definida como espelho ou rosto da deidade.
“Nos tempos antigos, ao se perder o equilíbrio sobre o planeta, sobreveio um grande dilúvio que destruiu tudo que existe e permitiu o renascimento do mundo. Um desequilíbrio semelhante parece estar ocorrendo nesta geração; nos esquecemos das fontes de nossas vidas, o Sol e o Sagrado Mar, a bendita Terra, do céu e de todas as coisas da natureza. A menos que recordemos de imediato a essência de nossas vidas, a menos que a celebremos com cerimônias e orações, enfrentaremos a destruição novamente, mas agora será através do fogo”. — Matsuwa* (mara’akáme huichol).
“Se desejam aprender o caminho do xamã, o Fogo os ensinará, o Fogo, nosso avô. Devem escutá-lo, porque o Fogo fala e o Fogo ensina. De dia se aprende com o Sol. O Sol os instruirá, o Sol, Nosso Pai. A melhor forma de fazê-lo é como o “hikuri”(o peyote), dali sai o pequeno aliado, que é o espírito do veado “Kauyumari”, ele lhes comunica o que devem aprender, surge como um espelho e lhes comunica o que devem fazer”.
O Fogo(tatewarí), o Sol(Tayaupá) e Wirikúta(a terra sagrada do peyote) podem transmitir-lhes a visão(nierika). O xamã também pode lhes transmitir a nierika, mas não devem se esquecer dos Deuses. São eles que abrem o coração e a beleza da Nierika.
O amor aos Deuses – o Sol, o Fogo e as Águas – é o que produz a Nierika”.
“É muito difícil o que ocorre na Terra, quase me faz chorar e sentir a situação, a falta de harmonia. Por isso lhes peço que vão ao Mar e apresentem suas oferendas e rezem pela Deusa do Mar (Haranara). Mas não creem, não tem Fé.
Devem pensar nas coisas que estou dizendo, e alcançar a compreensão, sua vida será mais forte. Tenham sua própria forma de aprendizado. Quem sabe seja diferente da nossa. Mas devem saber que é importante pensar nestas coisas todos os dias e todas as noites.
Desta maneira, um dia o mar lhes dará coração; o fogo lhes dará coração, e o Sol lhes dará coração”.– Matsuwa.
*Don Jose Matsuwa – xamã Huichol – falecido em 1990, viveu até a idade de 110 anos.
Fontes e Dicas para Conhecer mais:
Virarica: Huichol Shamanism (vídeo)